Bibi Ferreira

Prêmios Mambembe e Molière (1984) e Governador do Estado de São Paulo (1985) pela magistral atuação em Piaf – A vida de uma estrela da canção, mesmo já tendo feito a brasileiríssima Joana (Gota d’água)e a portuguesa Amália Rodrigues (Bibi vive Amália), Bibi Ferreira, de 88 anos, diz que sentia necessidade de se libertar do mito francês. “São quase 28 anos vivendo às custas de Edith Piaf”, desabafa, em tom de brincadeira, a atriz, cantora e diretora, que está lançando o CD Bibi Ferreira Brasileira – Uma suíte amorosa. No disco em que interpreta canções românticas brasileiras, acompanhada pelo piano de Francis Hime, a veterana artista volta a surpreender. Não apenas pela vitalidade, mas principalmente pelo formato escolhido para gravar o primeiro CD de repertório brasileiro.                                                       .

 A ideia veio da neta, que um dia reclamou com a avó da dificuldade de encontrar algo do gênero para ouvir com o namorado, sem necessidade de ficar trocando discos. “Eu disse, esta é a ideia, gente: vou fazer uma suíte. Vou fazer um disco inteiro, que não para”, recorda Bibi, cujo Brasileira – Uma suíte amorosa, encadeia as músicas de forma contínua, numa única faixa guiada pelo piano de Francis Hime, com direito a dois grandes solos do maestro em Minha, da parceria com Ruy Guerra, em versão instrumental, seguida do desenvolvimento temático de Eu sei que vou te amar, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, e em Minha namorada, de Carlos Lyra e Vinicius, acrescida do tema jobiniano.

No mais, a própria Bibi se responsabiliza pela interpretação das 22 canções de temática romântica, cujas assinaturas vão desde José Miguel Wisnik (Ponte aérea) a Chiquinha Gonzaga (Serenata de uma mulher, com letra de Paulo César Pinheiro), passando por leituras de Vambora (Adriana Calcanhotto) e Todo amor que houver nessa vida (Frejat e Cazuza). “Por causa da minha neta, fiz uma resenha de grande amor seguido”, resume a experiência. Artista antenada ao tempo que vive, Bibi diz que ouve de tudo, independentemente de gênero. “Adorava o Cazuza e adoro a música e a letra dele. Ela é tão verdadeira, é uma explosão de juventude tão forte, tão grande, tão bela”, justifica o apego aos jovens autores. “A Adriana Calcanhotto é outra que acho um talento incrível. Ela toca um violão deslumbrante. É uma pessoa muito querida, que gosta muito de mim também”, revela, orgulhosa. “A gente se quer muito. A gente ouve as coisas uma da outra”, acrescenta.                                              .

Apesar da presença de quatro canções de Tom Jobim (Fotografia, Eu sei que vou te amar – também desenvolvida como tema instrumental em alguns momentos – As praias desertas e Por causa de você), Bibi teve pouca convivência com o maestro. “Mas considero ele, Ari Barroso e Pixinguinha os três maiores músicos do Brasil”, frisa. De acordo com Bibi, o convite a Francis Hime para ele fazer os arranjos e direção musical do disco veio da amizade de anos que ela mantém com o maestro e sua mulher, Olivia Hime, que produziu Brasileira – Uma suíte amorosa.                                  .

Bibi que dirigiu intérpretes como Clara Nunes (Brasileiro, profissão esperança, entre outros shows), Maria Bethânia e Elizeth Cardoso, dedica atenção especial ao repertório da última no disco. “Meiga presença (Paulo Valdez e Otávio de Moraes), por exemplo, é uma das coisas mais belas na voz de Elizeth. Eu não sei como fui lembrar desta música”, surpreende-se, salientando ter dirigido a Divina em três shows, um deles com Baden Powell, de quem também gravou Apelo e Samba em prelúdio, ambas da parceria com Vinicius.

HERANÇA Apesar da convivência íntima com a música – Bibi também apresentou o programa Brasil 60, da TV Excelsior, em que recebeu, entre outros, Elis Regina, Roberto Carlos e João Gilberto – ele nunca projetou a carreira como uma cantora. “Calhou de este disco ter o nome de Bibi Ferreira Brasileira, mas não me considero uma cantora. Sou uma atriz que eventualmente canta”, esclarece. Ana Carolina e Maria Bethânia são citadas por ela como exemplos do que considera uma cantora. “Maria Bethânia é cantora de personalidade brutal, com uma cultura poética muito grande, o que acho maravilhoso. Ela é a cantora que fala a nossa língua”, elogia.                                                                  .

 A música, coincidentemente, chegou antes do teatro na vida de Bibi Ferreira, batizada Abigail Izquierdo Ferreira. Filha do ator Procópio Ferreira e da bailarina espanhola Aída Izquierdo, como toda menina de sua época, foi estudar piano. “O meu piano foi tomando volume, cheguei a tocá-lo muito, muito bem. A música fazia parte da minha vida. Dali eu passei para outro instrumento: estudei violino também. Cheguei a tocar violino em orquestra. Quer dizer, a música é muito importante para mim, porque ela tem um grande conhecimento”, explica.                                                           .

O pai Procópio Ferreira, recorda, foi homem de ligação profunda com os grandes artistas de sua época. “Um dos maiores amigos de papai foi Vicente Celestino, com toda a família dele, que conheci. Tenho até uma fotografia do Vicente com uma dedicatória enorme, belíssima, que ele fez para mim”, emociona-se. As preocupações básicas de Bibi em relação à música são: primeiro, que entendam o que ela está cantando; depois, que sintam a música. “Isto é o que importa”, ensina. “Fora o fato de a própria vivência teatral ter me possibilitado uma boa dicção”, reconhece a grande dama do musical brasileiro. “Mas o importante é que as pessoas entendam o que falo e que também sintam o que estou sentindo”, conclui.

Sedução pelo canto                                                                                    .

Os convites para a direção de vários espetáculos teatrais fizeram Bibi Ferreira praticamente desistir da montagem de um musical sobre a vida de Judy Garland (1922-1969). Com o espetáculo, com o qual pretendia comemorar 70 anos de carreira em 2011, ela homenagearia uma das maiores cantoras da era de ouro de Hollywood. “Acho que não vou fazer mais porque não está dando tempo de estudar as letras e músicas, além do texto, que é enorme. Talvez fique para o ano que vem”. Apesar de jamais ter feito show de lançamento de disco – os existentes são produto de trilhas sonoras de espetáculos que protagonizou – Bibi deverá fazer um espetáculo do gênero pela primeira vez                                      .                                                                        .
“Disco é uma coisa, show é outra”, compara, salientando que há canções em Brasileira – Uma suíte amorosa que ela não colocaria no show. “Principalmente o início, as três que abrem o disco – Ponte aérea, de José Miguel Wisnik; Fotografia, de Tom Jobim, e Sem mais adeus, de Francis Hime e Vinicius de Moraes – não colocaria de jeito nenhum”, afirma. “Elas não têm apelo para segurar a plateia logo de cara”, justifica a artista, dona de ampla visão da cena, salientando que em disco o ouvinte está sempre à espera do que vem, ao contrário do que ocorre em show. Em Bibi Ferreira Brasileira – Uma suíte amorosa ela ainda canta Caetano Veloso (Essa cara), Roberto e Erasmo Carlos (Olha), Marcos e Paulo Sérgio Valle (Preciso aprender a ser só) e Silvio César (Pra você), entre outros. Enfim, é Bibi Ferreira dedicando reconhecido talento à música popular. O brasileiro merece.